A vida é uma grande lição; e Hermano um exemplo admirável

Hermano mostra orgulhoso o diploma ao lado do filho e presidente do DCE e o neto
Maurício Maron

O relógio marcava cinco da tarde. Naquele instante, “seu” Hermano, de 59 anos, havia decidido ligar para o filho Josimar e fazer um dos convites mais emocionantes de sua vida. Ele estava à uma hora de participar de uma solenidade de formatura na escola onde voltara a estudar em 2018 e receber o diploma de conclusão do Ensino Médio.

Sim, aos 59 anos. E pleno.

Uma espera de muitas décadas que ele queria dividir com um dos filhos que mora em Ilhéus. Curiosamente, no Brasil de tantos brasis, pai e filho representam os extremos de uma nação que ainda tenta diminuir distâncias de oportunidades e destinos.

Hermano, trabalhador braçal por uma vida inteira. O filho Josimar, estudante de Química na UESC e presidente do Diretório Central dos Estudantes, que representa mais de 6 mil jovens graduandos na maior universidade pública do sul da Bahia.

“Eu chorei. Foi tudo um susto. Quando vi meu pai sendo homenageado por tantos jovens que se formavam ao lado dele e testemunhar o esforço de um homem honesto e trabalhador, com quase 60 anos, que mesmo com as dificuldades de não ter um emprego fixo e ter um olhar para o recomeço, pude entender melhor o que é a vida e seus exemplos positivos”, revela Josimar Ferreira.

Hermano Santos de Jesus nasceu em Ilhéus.  Antes de completar um ano foi com os pais morar em Canavieiras, também no sul do estado. Só aos 10 retornou para a cidade natal. Filho de um pescador e uma lavadeira ele precisou trabalhar desde muito cedo para sobreviver. Com o tempo, o cansaço bateu. Parou de estudar aos 22 anos. Estava na sétima série. “Parei para trabalhar. Era um trabalho exaustivo. O cansaço não me permitiu estudar, aí, eu desisti”, lamenta.

Lamentação, sim. Frustração, jamais. Vinte e um anos depois, ele voltou à sala de aula. Infelizmente, mais uma vez, o trabalho impediu que ele continuasse o curso. Parou novamente em 2003. Iria concluir o Ensino Médio em 2004. “Nunca tirei este caminho da cabeça. Eu precisava retomar, continuar”, afirma Hermano. Ele lembra que conviveu com um misto de apoio e desestímulo. “Tinha gente que me perguntava: você vai estudar pra que? Já viu papagaio velho falar? Eu respondia: lá tem vaga. Vamos comigo.” Mas também ouviu a família dizer: “Você tem uma letra bonita, é inteligente, continua”.

Em 2018, a retomada final. Matriculou-se e, finalmente, em dezembro último, concluiu.

“Voltei para ter conhecimento. Meus trabalhos sempre foram pesados. Hoje não tenho uma profissão boa”, justifica. Dividiu salas de aula com estudantes bem mais jovens e tornou-se líder do grupo. “O que precisava eu dialogava com a escola”, confirma. Sentava sempre nas primeiras carteiras e olhava um professor como exemplo a ser seguido. “Ele tem sete formaturas, 63 anos, e quer fazer medicina ainda. Isso é bonito demais. Os mais jovens o viam como um louco. Eu, como espelho”, completa.

Com diploma de conclusão em mãos, Hermano comemora o passo dado. “O objetivo foi ganhar sabedoria e não passar vergonha. Saber falar com as pessoas. Aprender e se educar”, resume. Longe de pensar em parar, Hermano projeta um curso de segurança patrimonial e, na nova lista de pendências, ingressar na universidade. “Sonho em fazer Direito”, revela.

“Me angustiava ver meus filhos produzindo e eu em casa vendo o tempo passar”, diz Hermano. Na formatura, quando foi chamado ao palco e ganhou os aplausos emocionados dos colegas, a sensação dele foi de quem acabara de vencer mais uma batalha. Como diria o educador Paulo Freire: “Não há vida sem correção. Sem retificação”. "Chego aos 60 com muitos sonhos. Tenho esperança que o conhecimento, daqui em diante, será maior, mais decisivo, que a minha idade avançada. Eu estou vivo”, comemora Hermano.

Hermano é uma lição de amor à Educação e de amor a si próprio.